terça-feira, 20 de julho de 2010

Gouttes


Faziam mais de 63 horas agora, tinha certeza. Estava imóvel, fixo ali. Seus movimentos restringiam-se aos da face. Era como uma pedra. Uma pedra com um rosto. Tudo que podia ver era o seu corpo imóvel e as folhas das árvores. Nem o céu consiguia enxergar. Haviam tantas folhas que chegavam a formar um teto esverdeado com certa traslucidez. São folhas a perder de vista...

Ele estava com tanta sede, com tanta fome! Ah! Uma chuva, que agradável seria... Algum tempo depois ele acorda, assustado, quase apavorado com um som grave e alto. E em seguida, como o zumbido de centenas de insetos teve a certeza: era chuva. Chuva? Isso não chega a ser chuva... Era uma garoa, bem fina, por sinal. Essa água jamais chegará ao chão...

Esperou as gotas pingarem, de folha em folha. E dessa folha até a outra. O tempo parecia passar devagar, era como se só enxergasse focadamente aquela folha. Pingue ali, por este caminho... Aquela folha, que terminava em um bico perfeito próximo aos seus lábios. Através daquela folha a vida poderia chegar em sua boca.

Garoou pouco, poucas foram as gotas que seguiram o cominho correto até a folha que ele tanto desejava que ficasse pesada o suficiente para derramar aquele líquido em sua língua seca. Aguardou tão ansiosamente por isso que deixou a língua extendida para que a água a tocasse mais rápido. Vamos, gotas. Aproximem-se...

Aproximaram-se e chegaram até onde ele tanto ansiava: sua língua, mas que agora não estava mais estendida e sim tombada, cheia de gotas d'água em cima.

sábado, 17 de julho de 2010

El leñador.


- Sequóia-gigante - repetiu ele, talvez pela milésima vez aos colegas de trabalho.
- Louco! - várias vozes exclamaram ao mesmo tempo em um tom de voz baixo o suficiente para parecer discreto e alto o bastante para ser ouvido com clareza.
- Senhores, foi um prazer inenarrável trabalhar com vocês. Mas agora devo ir-me. - E foi a última vez que dirigiu a palavra aqueles homens que cosiderava indolentes, ronceiros e molengas.

Despediu-se de sua mãe dando um beijo em sua face, disse:
- Voltarei em breve, não se preocupe. Quando voltar tudo será melhor. E, nada de lágrimas.
-Lunático! Ouviste-me bem? Lunático. Estamos bem aqui. Temos o suficiente para viver, isto não basta?

Não respondeu esta pergunta com palavras, simplesmente saiu pela porta da frente, sem olhar para trás. Queria conforto, queria o prazer quase imediato. Não importava o que dissem a ele. Sequóias, Sequóias, Sequóias. Era tudo que vinha a sua mente. Procura-las-ia. Seria a última árvore que derrubaria se a vendesse por um preço bom. Talvez levasse quatro ou cinco meses para cortar os 6 ou 7 metros de espessura do tronco com seu pequeno machado afiado.

Durante o caminho, encontrou um amigo que perguntou como ia a vida e aonde esperava chegar, vendo a bagagem que carregava:
- Bem, obrigada. Você parece magnífico! Belo chapéu. - elogiou. - Estou indo para o norte, cortar uma sequóia.
- Larápio! Há sequóias que vivem a mais de 2 mil anos! Como ousa ter tanta cobiça?
- Preciso viver! Quero viver confortavelmente, não me importo.

Continuou sua marcha até as árvores. Encontrou uma perfeita. Madeira intácta, nada de cupins ou pragas, perfeita, singela. Logo começou o trabalho. Escolheu o ângulo e começou as machadadas.

Levou quatro meses. Quando finalmente os 80 metros de madeira tombaram ao chão, teve certeza que tudo daria certo. Vendeu toda a madeira a um só homem, que o pagou com moedas de ouro.

Quando voltou a sua casa, mostrou para sua mãe a nova furtuna da família. A mãe que era descendente de mulçumanos, fez o teste que aprendeu com seu pai e com seu avô: derrubou uma moeda no chão, esperando ouvir o som agudo e prolongado, característico do metal nobre. Não houve.
- Lesado. - lastimou a mãe para o filho que deixou o ouro distrai-lo de sua imaculada sequóia.

L'explication de "Oreilles de lapin"

Após escrever "Oreilles de lapin" ("Orelhas de coelho", em francês) algumas pessoas vieram me perguntar o que era a criatura. Antes mesmo de tentarem pensar, logo o classificaram como um coelho deformado/ mutante/ alienígena (?). Sinto que Darwin estabeleceu um hábito que tenta limitar ao visível. Não estou criticando o sr.Darwin, muito menos a evolução de suas espécies. Acho que foi a imagem. Na tentativa de fazer as pessoas observarem um pouco mais as orelhas do coelho, talvez as tenha limitado.

Observando a sociedade, vemos uma labiríntica classificação de tudo. Isso me incomoda. Pensei em escrever que poderiamos apenas existir, mas não é o suficiente. E dizer que precisamos viver é muito clichê. Acho que deveriamos, então, apenas não classificar o há em sua mente. De um certo modo, isso limita.

Quando você começou a ler, você fez a pausa, logo depois da descrição para tentar imaginar minha criação? Você se preocupou com o animal que morreu sozinho e abandonado em meio a fogos de artifício antes de você dormir? Você tentou se imaginar na situação dele? Você imaginou e sentiu, pelo menos uma fração, dos sentimentos dele? Talvez seja minha incapacidade de transmitir sentimentos, ou você ficou cego, por que vive apenas neste mundo limitado.

Tão cego que não conseguiu imaginar o que não existia.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Oreilles de lapin.


Era de um cor-de-rosa quase magenta, a pelugem não era brilhante, mas fosca. Tinha olhos cinzentos e lacrimosos, tinha o hábito de chorar. Uma vez, por distração, um tombo o fez fraturar o nariz, que agora tinha um formato cômico de coração invertido. As bochechas eram balofas e coradas. Nunca existiu uma criatura que não se contagiou com sua risada destrambelhada.
Andava sobre duas patas, apesar de possuir seis. Gostava desta sua qualidade, podia fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo. Mas sua caracteristica mais marcante, eram suas orelhas, grandes e pontudas. Bem em cima da sua cabeça. Ele tudo ouvia.
Ouvia o som da chuva, do vento, dos passaros a cantar nas árvores já sem folhas, o inverno havia chegado.
O tempo passou, e nenhum daqueles sons restou. Nem o piano que um ser-humano tocava em sua casa, próxima da floresta, restou. Agora só os mais confusos sons. As centenas de televisões do prédio na entrada da cidade, os carros que passavam na estrada e seus rádios com músicas barulhentas e computadorizadas.
"O que acontece com esses bichos que teimam em ser tão barulhentos? Será que eles tem a capacidade de contemplar o som da chuva? do vento? das folhas das árvores se chocando?"
O pequeno animal pensou nisso por muito tempo, quase uma eternidade. Gastou o resto de sua existência a analisá-los; até que um dia ficou muito doente.
Foi no último dia de dezembro de um ano qualquer. Ele foi piorando, cada vez mais fraco, cada vez mais sentindo o som fúnebre aumentar, e quando ficou completamente comprometido com este som, com o fim da sua existencia, com a paz e o alívio da dor que se aproximava, ele escuta, bem ao fundo, mais uma vez, o som dos seres-humanos. 'Até a morte festejam com barulho!' - ele pensou. E em seguida tudo cessou. Foi tomado de um silêncio absoluto e uma onda de serenidade passou pelo corpo do animal que já não estava mais lá.

Ruge, balança o rabo mas já não morde.


Já aviso: eu não escrevo bem. Não disse que não me importo com isso, é só um dom entre outros que eu não tenho. Mas eu gosto de escrever.

Gosto de avaliar meus pensamentos, sentimentos, impressões, opiniões de outro ponto de vista. Gosto de perceber as mudanças que ocorrem em mim e ao meu redor. Gosto de ver filmes. Gosto de ouvir música.

Gosto de Mika, Elton John, Kate Nash, Ida Maria, Kid Abelha e Jorge Ben. Aliás, foi ouvindo uma musica chamada 'O circo chegou' do Jorge Ben que eu encontrei o nome desse blog. Obrigada, Jorge Ben !

Leão sem dente, além da crítica óbvia que tem na música, gosto de como me sinto completa com isso. Leão; a primeira impressão é de um animal forte, imbatível até um pouco antipático. Mas sem dente, ele já não é tão forte, nem tão imbatível e muito menos antipático. Eu ficaria com dó ao ver essa cena; você? Mas, você teria que chegar perto, perigosamente perto para perceber a falta dos dentes.

Calma, minha gente, que o leão é sem dente !