segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Il roditore


Sempre , eu sempre achei que esse negócio de viver dentro de uma cerca fosse uma besteira.Os outros roedores que viviam dentro de uma, perto da minha toca louvavam Aquele que os dava comida fácil junto com água e terra o suficiente para cavarem. Ele, que diziam se Homem Tiago seu nome, dava até tocas prontas para meus companheiros de espécie.

Quando os invernos eram difíceis e com poucas frutas é muito comum ver meus iguais tentando fazer um olhar adorável para o Homem, esperando Sua misericórdia, um toca e alguma nozes.

Dentro da cerca todos deveria ser iguais e obedecer as ordens do Homem Tiago. Caso as regras não fossem seguidas eram colocados em gaiolas isoladas que eram trocados por pedaços de papel de homens geralmente acompanhados por crianças. Isso instaurou uma espécie de medo constante, sabe-se lá pra onde eram levados!, mas isso funcionava. A ordem era absoluta.

Não vou dizer que fora da cerca o ambiente era calmo e amigável. Os predadores estavam quase por todos os lados: norte e sul, de leste a oeste, na terra e no céu. O céu, aliás, é o pior medo. Gaviões eram certeza de uma morte penosa.

Num certo inverno, muito mais rigoroso que o normal, senti que estava adoecendo. Cavar tocas estava fora de cogitação. Perdi alguns filhotes para o frio. Em uma dessas noites geladas,a o som do cricrilar dos grilos tomei minha decisão.

Não conseguiria passar aquele inverno sem ajuda. Levei o que restou da minha família até a cerca e Ele nos acolheu e entregou frutas frescas, o que nos tirou da miséria.

De certo que lá fora meus filhotes seriam livres para visitar todos os arbustos e amoreiras da campina. Não queria que começassem a vida assim. Mas após algum tempo os irmãos da cerca me mostraram que era o melhor caminho.

Viver nas regras Dele me garantiriam uma vida razoavelmente feliz. Já havia ouvido dizer que a vida lá fora não era mais a mesma desde que eu entrei aqui. Apenas os da cerca eram confiáveis.

Após algum tempo já não sabia mais em quem acreditar: em mim mesmo, que vivi aquele mundo cão e livre, ou nos irmãos que dividiam tudo, incluindo dúvidas, medos e experiências.

Em um dia qualquer fui andar, sozinho, no meio da madrugada. Reparei pela primeira vez o formato do cercado: um perfeito retângulo. No canto noroeste estava o lago raso no qual eu estava às margens. Na faceta leste estavam as tocas onde todos dormiam tranquilamente. Ao sul tinham as disputadas rodas de corrida, que agora, de madrugada, só se movimentavam por causa do vento forte que soprava. E a oeste, estava o portão, por onde ele entrava.

Sempre achei que a única coisa que não poderiam me tirar era a liberdade, que já se fora naquela noite em que cruzei o portão do homem. Mas o que não me tiraram e que nunca vão conseguir é o conhecimento que ganhei em toda minha vida.

Na manhã seguinte, quando ele veio nos entregar comida, eu fugi. E corri o mais rápido que pude. Para qualquer lugar, para lugar algum.

Um comentário:

  1. Me lembrei das cavernas de Platão... Finalmente os porquinhos-da-índia né rs! Muito bom Jujujubs<3

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